sábado, 25 de fevereiro de 2017

À caça de Nabokov



Dois pequenos textos meus sobre Nabokov, inclusive em que ele não aparece bem, e eis-me atacado por uma obsessão inesperada por esse autor que eu julgava entre os nomes do meu segundo time. Estou lendo frouxamente Lolita no original_ aquelas últimas páginas de um romance de concentração tão extrema são irretocáveis_, e vendo, mais uma vez admirado, o quanto Nabokov era destemidamente pródigo no uso de adjetivos. Em cada frase ele usa uma profusão deles. Para cada conceito e observação e descrição, ele os envolve com adjetivos que, na contramão da severa ortodoxia novecentista da escrita, soam assertivos, inteligentes e deslocadamente histriônicos. Borges também adorava adjetivos, escritor que se aproxima muito de Nabokov. Agora começa minha batalha pessoal de como encontrar todos os livros publicados aqui de  Nabokov. Tenho Fala, memória, Contos Reunidos, Fogo Pálido, Lolita e A Verdadeira Vida de Sebastian Knight, além do volume de aulas sobre literatura russa. Quem estiver lendo isto aqui e quiser me vender algum outro, podemos fazer negócio.

7 comentários:

  1. Ena! depois do que já aqui li sobre Nabokov... a minha alma ficou pasmada hoje. :-O

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    1. Tem uma grave contradição, eu sei. Mas minha relação com alguns escritores é sempre assim, entremeada de amor e ódio. Nabokov, especificamente, tem algo que me encanta, apesar de todos seus pontos fracos (exemplarmente apontados no comentário do João, abaixo).

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  2. Nabokov hoje me enjoa, os livros que ele escreveu em inglês todos lidos tirando Look at the Harlequins!, dos escritos em russo só li Invitation to a Beheading, que ele considerava seu favorito e eu detestei, e é claro li também o Speak, Memory, de mãos dadas com Pale Fire no primeiro lugar do meu estúpido pódio mental que não consigo evitar de fazer. Lolita eu li no inglês ano passado pela primeira vez, uma edição especial com uns comentários um bocado ridículos, essas annotated editions são quase sempre feitas por uma gente que parece ter uma pistola apontada pra cabeça, comenta pelo menos um trecho por parágrafo ou eu atiro!, daí temos uma porção de notas explicando coisas de fora da obra e poucas falando da lógica em si do romance. Nabokov metia um tantão de segredinhos pra quem gosta de esmiuçar o texto, é o caso da obsessão do livro Lolita por gêmeos, que vai do livro ser dividido em duas partes (a primeira uma maravilha, aquele nojo da descrição da pintura imaginária fechando o texto, “a child wincing”, e a segunda me desculpem mas pra mim é um desperdício, com aquele Quilty inútil brotando do chão pra dar um prosseguimento de segunda pra trama) até a abundância de gêmeos ao longo do livro, outro segredinho são as alusões a Poe (minha favorita é a cidade de Beardsley) que aliás é um dos autores que Nabokov considerava ser só pra gente jovem mas ainda assim tá lá espalhado pelo texto todo.

    Achei em Gertrude Stein o que procurei em Nabokov, a simplicidade falsa da composição das sentenças, os parágrafos mais perfeitos da literatura em língua inglesa, e depois achei também em mais uns autores por aí. Nunca no Nabokov, por causa do excesso de penduricalhos, o texto nunca que se move naturalmente, o tempo todo você ouve os balangandãs se batendo.

    Ainda assim amo Pale Fire (e também Speak, Memory, mas também meio mundo já ama e estaria disposto a comentar muito melhor do que eu, então me abstenho) que pra mim é a prova do quanto que Nabokov era bom de comédia. Depois daquela ironia toda do romance contra a arte e a crítica, não consigo ler as obras críticas do próprio Nabokov sem suspeitar que o cara não se levava tão a sério quanto comumente se pensa.

    (Faz tempo que não escrevo por aqui. Tua produção vai boa, muito boa, Charlles.)

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    1. Tenho a mesmíssima opinião que você, sem tirar nem por. Lolita é o romance mais gratuito da literatura, tema ruim, exibicionismo cansativo, etc. As últimas páginas, as 5 ou 4 últimas, são arrebatadoras, mas é uma média muito restrita para um calhamaço que dedica 200 páginas a turismo desnecessário. É a empulhação mais explícita, 200 páginas em que o narrador e a menina ficam andando de lá para cá, apenas porque o autor não tem mais nada a fazer com o enredo: e o engraçado é que parece uma maldição do Dostoiévski, pois Nabokov incorre em todas as supostas falhas que ele atribui a este último.

      Sim, tem firulas e penduricalhos demais. Em Fala, memória: o encontro com Ivan Bunin é ótimo, a gente se apruma na cadeira e deixa tudo pra lá, imaginando que vai ser uma daquelas cenas deliciosas sobre grandes escritores no estilo da biografia do Canetti..., mas a coisa implode, ele para antes de começar, sem nada mais para dizer. Nabokov é o mestre em deplorar conteúdos: ele apenas delimita a morte do pai, a fuga para a Criméia, etc. O leitor fica querendo mais, torcendo para um vislumbre maior nas insinuações que ele cria. Há belezas neste livro que são apenas prestidigitação, normalmente encenadas no encerramento dos capítulos (como se ele estivesse cansado da coisa toda e resolvesse então usar seu truque maior, aquele que ele aprendeu no Himalaia dos monges secretos da literatura_ embora cansaço seja algo que jamais se vê na escrita de Nabokov).

      Sim, prevejo que esse seja mesmo o mais enjoativo dos escritores, assim que se extravase de tanto o ler. Mas ele ensina muita coisa, ele é um curso generoso e profundo de como escrever e pensar bem. O escritor pode se limitar aos penduricalhos, como o discípulo maior Martin Amis, mas pode também aproveitar o que interessa entre uma miríade de outros recortes, como Saul Bellow. Estou gostando muito de fazer essa trilha pela escrita dele.

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  3. Olá Charlles, eu tinha esse livro aqui, não sei onde ele está. Chama-se "Machenka". Acho que está fora de catálogo. Então segue link da Estante Virtual:

    https://www.estantevirtual.com.br/b/vladimir-nabokov/machenka/2708643423

    Abraços.

    Mário Sérgio

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  4. Ah, existe esse ranço contra escritores adjetivosos, não é mesmo? Eu particularmente me acho adjetivoso. Preciso me policiar para não emplacar um catálogo de adjetivos para pessoas, coisas, etc. Proust tinha aquela forma maravilhosa de fazer sentenças longuíssimas que funcionam como adjetivos. Entre fazer uma apologia acalorada do adjetivismo e uma crítica minimalista acho que fico com o primeiro.

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