sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Para um amigo


Um dos meus grandes amigos trabalhou na zona rural toda sua infância e juventude e com muita luta conseguiu se formar na universidade. Fizemos o curso de História juntos. Quando ele foi diagnosticado com intoxicação por um pesticida de lavoura e o médico o proibiu de voltar a trabalhar no campo, seu pai aspergia o pesticida em seu quarto e dizia que filho nenhum dele ficaria sem trabalhar. Ele foi, de longe, o melhor aluno do curso. É o cara que mais entende de América Latina e Brasil que eu conheço. Leu todos os clássicos sobre esses tópicos. Constantemente nos falamos pelo telefone, e eu o consulto sempre, embora em sua humildade ele fale que eu que sou o cara culto entre nós dois. Ontem mesmo, enquanto eu caminhava em volta da represa, perguntei a ele pelo celular qual a melhor biografia do Fidel. Ele e todos seus dois irmãos são vitoriosos, passaram em concursos públicos e são combativos ideólogos contra a miséria e o vilipêndio do país. Durante nosso curso, alguns colegas de sala o achavam louco e excêntrico: a turma dos parvos que não deram em nada, as mulheres que se limitaram a esposas e mães e os homens com suas difíceis vidas impregnadas de ignorância e lugar comum. Ele era muito jovem na época e em seu direito ficou apaixonado por uma das colegas, que o desprezava, o que foi um benefício para ele e um malefício para ela, que se aventurou num casamento que teve tudo para não dar certo e realmente não deu, com terríveis consequências. Ele passou em vários concursos, inclusive alguns em que elementos do corpo docente da faculdade foram reprovados. Por recalque, esses doutores titulados negaram que ele entrasse como professor na universidade, relegando o cargo para os medíocres das familiocracias de sempre. Eu procuro retribuir às informações que me passa, lhe indicando os grandes livros da literatura, nos quais ele se lança com o mesmo afinco de sempre. Ele trabalha no Tocantins, como historiador, organizando expedientes das bibliotecas e de eventos culturais. Quando chegar aqui, em um dos tantos retornos para essa terra, esse presente vai estar esperando por ele.

Um comentário:

  1. Eu o conheci na faculdade de história, era considerado um excêntrico. As roupas simples não eram a simplicidade fingida dos universitários, lindos e altivos nos seus All Star e jeans desfiados. Ele tinha o silêncio prudente dos que vieram debaixo. E veio mesmo: foi sua luta e de toda família, na zona rural, que o possibilitou entrar numa faculdade. Quando ele foi diagnosticado com intoxicação por um pesticida de lavoura e o médico o proibiu de voltar a trabalhar no campo, seu pai aspergia o pesticida em seu quarto e dizia que filho nenhum dele ficaria sem trabalhar. Foi muito apaixonado por uma colega de faculdade, que o desprezava – seria demais esperar que ele não se encantasse com uma moça daquele admirável mundo novo e que ela fosse maior do que realmente era e visse o homem extraordinário ainda escondido naquele rapaz magrelo e estranho. Ela casou com um moço mais bonito, mais classe média, mais nos padrões, e como também é bastante normal foi um péssimo casamento. Ele chegou a ser impedido de virar professor da universidade, apesar de ter passado no concurso e superado outros docentes, porque preferiram colocar no cargo alguém medíocre com sobrenome. Daqueles que o olhavam de lado, vieram cidadãos pacatos e esposas cuja ambição é trocar o carro por um melhor; já ele e seus dois irmãos passaram em concursos públicos e são combativos ideólogos contra a miséria e o vilipêndio do país. Hoje ele trabalha no Tocantins, como historiador, organizando expedientes das bibliotecas e de eventos culturais. Era, com larga vantagem, o melhor aluno do curso e é o cara que mais entende de América Latina e Brasil que eu conheço. Leu todos os clássicos sobre esses tópicos. Constantemente nos falamos pelo telefone, e eu o consulto sempre, e ele teima em dizer que eu sou mais culto que ele - humildade que é defeito e qualidade num só tempo e jamais o abandona. Ontem mesmo, enquanto eu caminhava em volta da represa, perguntei a ele pelo celular qual a melhor biografia do Fidel. Me indicou uma e comprei sem pestanejar. Eu procuro retribuir às informações que me passa, lhe indicando os grandes livros da literatura, nos quais ele se lança com o mesmo afinco de sempre. Quando chegar aqui, em um dos tantos retornos para essa terra, esse presente vai estar esperando por ele.

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